‘Amor Suspenso’: filme gay brasileiro fala sobre o amor entre duas mulheres

Longa-metragem já entrou no circuito nacional e internacional LGBQT

Amor Suspenso“, filme com temática gay que fala sobre sentimentos repreendidos e tem as atrizes Gabi Costa e Lorena Comparato nos papéis principais, fala do amor entre duas mulheres. O espaço? Um quarto, que pode parecer enorme quando se está sozinha.

O filme já ganhou os circuitos alternativos e vai estar em outubro no For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual, no Visionaria – Castel Nuovo Berardenga, na Itália, e no Santo Domingo OutFest – Festival Internacional de Cine GLBT, na Espanha, em novembro.

Almanaque da Cultura, conversou com a atriz e co-produtora da película, Gabi Costa, que comentou sobre o curta-metragem feito na garra: “O amor de Alice e Maria realmente foi suspenso pelo preconceito, pela família, pela sociedade, pela hipocrisia e pela depressão”.

Cartaz do filme "Amor Suspenso", que já entrou no circuito nacional e internacional LGBQT (Foto: Divulgação)
Cartaz do filme “Amor Suspenso”, que já entrou no circuito nacional e internacional LGBQT (Foto: Divulgação)

Almanaque da Cultura: Por que decidiu colocar o nome do filme de “Amor Suspenso”?
Gabi Costa: Foi curioso, porque a princípio o filme se chamaria “Vocês Sabem”. Mas acredito que, como a maioria das obras, o processo de construção se dá muito em conjunto. O diretor Charles Daves, me sugeriu que alterasse o nome pra algo mais impactante. Em casa, passando o texto de “Alice” (minha personagem), me bateu forte uma emoção e na hora me veio na cabeça: “Nosso amor foi suspenso”. E tudo se encontrou. O amor de Alice e Maria realmente foi suspenso pelo preconceito, pela família, pela sociedade, pela hipocrisia e pela depressão gerada por todos esses motivos anteriores.

Almanaque da Cultura: Como foi a escolha do temática LGBQT?
Gabi Costa: A minha escrita sempre parte de uma imagem. Na madrugada (horário de pico criativo), me veio a imagem de duas mulheres, conversando. Comecei a escrever, os diálogos, já baseado nesse contexto. No primeiro instante pensei nos jovens que filmam depoimentos trágicos, melancolias, tentativas de suicídio e as postagens que dão repercussão na internet. Alice me passava essa necessidade de expor sua revolta ao mundo. Uma revolta que ela escondia de todos, até o momento em que liga sua webcam. O amor que as duas sentem uma pela outra, menosprezado e julgado por tantos. Ela precisava afirmar isso ao mundo de alguma forma. Foi bem difícil entrar nesse Universo.

Equipe de “Amor Suspenso” em ação, revisando no monitor (Foto: Divulgação)

Almanaque da Cultura: O filme trata temas como solidão e abandono, como foi o processo de construção das personagens?
Gabi Costa: Foi bem difícil lidar com esse tema. Os artistas são de certa forma solitários. Vivemos muitas vidas em uma só. Estudamos muito, sempre. Temos nossos momentos, conflitos internos, onde o melhor lugar para se curar e aprender é em um canto, onde ficamos a sós com nossas reflexões e ideias. Eu fui ao “Instituto Pinel” ano passado, fazer laboratório para uma personagem no teatro, e a menina a qual me espelhei, me atingiu de uma maneira tão forte, que resgatei um pouco dela para esse filme. Estava no meu corpo, no meu organismo. A solidão é triste, por que é real. E se é real incomoda. Acredito que hoje em dia a busca pelo realismo seja o grande “trunfo” do cinema, cada vez mais documental, ou ficcional voltado para a não atuação. E quando se mergulha em personagens com histórias densas, é impossível não se afogar em lágrimas que por vezes não sabemos se são reais ou cênicas. Demorei umas duas semanas pra me desprender de Alice.

O diretor de fotografia Fabio Maia e o primeiro assistente de direção Nilsen Aciolli de “Amor Suspenso” (Foto: Divulgação)

Almanaque da Cultura: Um casal de mulheres ainda sofre rejeição do público? Por que optaram por este tema tão delicado?
Gabi Costa: Acredito que sim. Até agora nosso filme só entrou em festivais LGBT “For Rainbow” (Fortaleza) e “Out Fest Festival” (Argentina). Quando é tratado de forma delicada, pode ser adotado pelo público, sim. Quando contamos a história das duas, separadamente, e permitimos que ambas se envolvam no decorrer de uma trama. Infelizmente, não tinha esse tempo no curta (risos). Tive que acreditar, ou melhor, tivemos que acreditar, todos os envolvidos. Desde direção, elenco, fotografia, arte, preparação, figurino, caracterização… Todos mesmo. Para que fosse criado um ambiente amoroso no set de filmagem, que possibilitou que eu e Lolô (Lorena Comparato) conseguíssemos encontrar essa relação das duas. Aliás, não imagino “Maria” sendo vivida por outra atriz. Lolô deu um abraço de urso no projeto. O que me motivou mais ainda. Não tive receio de mexer com esse assunto. Não podemos permitir que a sociedade crie censuras/preconceitos. E o cinema deve sim, cada vez mais abordar aquilo que incomoda. Por que é sobre isso que as pessoas falam e comentam quando ninguém está olhando, mas apontam e criticam quando estão em público. Acho desrespeitoso desmerecer qualquer obra pela escolha do seu gênero. Existe uma equipe, existem pessoas, existem famílias, que vivem daquela obra. Ainda precisamos evoluir muito nesse sentido.

Gabi Costa, atriz que vive a personagem Alice marcando foco e luz (Foto: Divulgação)

Almanaque da Cultura: As pessoas ainda se retraem quando o tema é sexualidade?
Gabi Costa: Com certeza. Acredito que a maioria não assuma publicamente. Mas sempre vão existir cochichos e olhares críticos. E nossa arte está aí pra fazer esse contraponto. Que bom que o cinema e a arte estão ai pra mudar tudo isso. Muitos tabus são desnecessários na minha opinião. Mas com informação e cultura isso tudo pode mudar e nós como artistas podemos ajudar isso acontecer. Na verdade o que eu gostaria é que famílias e amigos que estiverem passando pela mesmo situação do filme possam pensar em como reagir e talvez não julgar tanto e aceitar as pessoas como elas são, com vontades e gostos diferentes.

O diretor Charles Daves, acompanhando toda a montagem do set (Foto: Divulgação)

Almanaque da Cultura: O filme busca levantar alguma bandeira?
Gabi Costa: Não diria levantar bandeira. Mas deixar a mensagem de liberdade, diversidade sexual, cuidado aos sinais de depressão, principalmente sobre as relações afetuosas familiares. É em casa que tudo começa. Uma boa criação, com muita conversa, faz com que tudo fique mais fácil. Alice não teve essa oportunidade e Maria não conseguiu suprir esse apoio familiar que ela precisava. Era necessário um pai, uma mãe e ela não teve.

Almanaque da Cultura: Como foi a captação de recursos para “Amor Suspenso”?
Gabi Costa: Não tivemos nenhum incentivo. Mas tivemos o apoio da produtora Target Filmes e dos amigos profissionais que colaboraram cada um com seu dom, para que nossa história ganhasse forma. Todos abraçaram a ideia com muito amor e foi desta forma que fizemos nosso filme. Tivemos também apoio de alguns amigos, que remaram nesse barco junto com a gente. E minha família e marido que foram presentes da pré-produção à primeira exibição no cinema. E foi maravilhoso!

Lorena Comparato, atriz que vive a personagem Maria em “Amor Suspenso” se concentrando para entrar em cena (Foto: Divulgação)

Almanaque da Cultura: Ainda é difícil fazer cinema independente no Brasil?
Gabi Costa: É como se houvesse uma placa gigante piscando luzes coloridas, escrita: “DESISTA!” Mas quando juntamos uma boa equipe e excelentes profissionais e todos se envolvem da mesma maneira, mesma intensidade e responsabilidade no projeto, é possível. Como disse antes, foi no amor, na amizade. Poderia detalhar a ficha técnica aqui e agradecer individualmente a cada um. Mas eles sabem, cada um em sua função o quanto foram importantes e inegáveis para “Amor Suspenso” acontecer.

Almanaque da Cultura: Você já tem outros projetos em vista?
Gabi Costa: Estou em pesquisa para outro filme, o tema é prisão feminina e todo seu Universo, que é bem pesado e quase ninguém quer mostrar. Outro curta, a priori. Podendo se tornar um longa, só o futuro sabe. No paralelo, continuo estudando, frequentando workshos, indo a palestras e absorvendo tudo que posso, como uma esponjinha. Um bom ator é aquele que jamais para de estudar. Nosso estudo é a ciência humana, e de exata ela não tem nada. Quero aproveitar e agradecer a duas pessoas que tem sido grandes mentores no meu processo de estudos, com indicações, bibliografias, filmografias: Vanessa Veiga e Rodrigo Fonseca. Obrigada! O nosso meio é difícil. Mas digo com toda propriedade: “É possível encontrar pessoas que nos dê a mão.