Famoso autor do livro “Como posso ajudá-lo a ajuda-los?”, além de pai e marido, Michael Stone está muito inquieto com sua rotina. Ele viaja a Cincinatti para palestrar e se assusta ao se deparar com alguém: a representante de vendas Lisa. Em dúvida se ela pode ou não ser o amo de sua vida, ele resolve aproveitar a situação, enquanto tenta descobrir e entender o mundo.

Este é o enredo de “Anomalisa“, primeiro longa de animação de stop-motion de Charlie Kaufman, muito conhecido por roteiros de filmes como “Quero Ser John Malkovich” (1999), “Adaptação” (2002) e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004), além da direção de “Sinédoque, Nova York” (2008). Detalhe: em tempos de sobrevivência nos terrenos da indústria cultural, onde quem quer tirar um projeto do papel, lança mão de crowdfunding, esta foi um das primeiras obras a ter um nome de alguém muito famoso no comando. E o público comprou, literalmente, sua ideia, lançada em julho de 2012.

O filme foi o vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2015 e ao vê-lo, nota-se o motivo da escolha. As intenções deste filme são todas de duplo sentido. “Anomalisa” quer esclarecer e confundir, ajudar e atrapalhar, mostrar realidade e fantasia, mostrar um protagonista ranzinza e humorado, dono de si e quase perturbado mental. Pode-se começar apontando que a inserção dos personagens em ambientes quase que perfeitos, dá ainda mais realismo ao projeto. Tudo é tão minuciosamente bem feito que até os objetos parecem de verdade.

Michael é dublado por David Thewlis (de “Teoria de Tudo”) e todos os outros personagens, inclusive os femininos, por Tom Noonan (da série “12 Monkeys”). É estranho e hilário, ao mesmo tempo, ver mulheres com vozes de homens. Causa várias sensações no espectador. Apenas Lisa ganha voz de Jennifer Jason Leigh (“Mulher Solteira Procura” e “Sinédoque, Nova York” – filme de Kaufman). E é exatamente nesta exclusividade que boa parte do filme se desenrola.

O protagonista vai abrindo o coração durante o filme. Começa apático, impaciente, mal-humorado consigo mesmo e o restante das pessoas. Em próximo momento, empolgado e até meio louco e depois perdido. Bem característico de quem mal sabe conhece a si mesmo. A construção do personagem é muito bem feita, com destaque para situações rotineiras que não ultrapassam o limite do vulgar, ficando entre o irônico e o humor sombrio.

Aliás, estas duas “virtudes” estão presentes em boa parte do longa. Em um primeiro momento, o espectador pode estranhar a ver animações (bonecos mesmo) tendo atitudes muito “humanas”, falando palavrões e até em nudez, em poucos instantes, todo mundo se sente em casa. E, apesar de ter palavras de baixo calão (que dão um tom muito mais realista), o filme não perde o ar classudo que tem.

Michael é tão perturbado que é divertido. Sabe por qual motivo? Kaufman consegue sintetizar a essência da inquietação de milhões de pessoas com suas rotinas, seus problemas psicológicos, suas frustrações depressivas em um único boneco. Você verá muito de si em Michael e vai achar graça disso. Lisa é bem conhecida da maioria das pessoas: frágil, desengonçada, escondendo-se atrás de medos, cicatrizes e amigos. Uma pequena ode à natureza pós-moderna.

Boa fotografia, boa trilha sonora com destaque para Cindy Lauper e um desenrolar de enredo que pode até não ser perfeito, mas vai se encaixando. Ao se olhar o final, o espectador mais desatento pode não entendê-lo, mas a proposta de Kaufman não é achar a solução da vida de Michael e, sim, mostrar como alguém pode sobreviver as suas loucuras e ao menor sinal de que algo pode lhe fazer feliz, mergulhar de vez, para lidar novamente com frustrações. Um ciclo que não vai ter fim.

“Anomalisa”

Diretor: Charlie Kaufman e Duke Johnson
Gênero: Animação – Comédia – Drama
País: Estados Unidos
Ano: 2015
Duração: 90min
Roteiro: Charlie Kaufman
Distribuidor: Paramount Pictures

Para informações sobre horários e locais de exibição, acesse o site do Festival do Rio.

REVER GERAL
Bom
critica-anomalisa-festival-do-rioDivertido, leve, sensual, irônico e ao mesmo tempo ranzinza, confuso e pesado. “Anomalisa” é uma pequena ode à natureza humana pós-moderna.