Natural de São Bernardo do Campo o ator Ícaro Silva, começou na carreira artística jovem e, logo aos 16 anos, despontou como o Rafa da novela teen “Malhação“, na TV Globo, onde permaneceu no ar de 2004 a 2006. De lá para cá o artista, participou de várias peças, novelas – a última delas “Além do Tempo” (2015), séries, dirigiu espetáculos de teatro e integrou o elenco da “Dança no Gelo” no Domingão do Faustão (2007). Atualmente, Silva se prepara para estrear dois filmes no circuito nacional e dá corpo e voz ao polêmico cantor Wilson Simonal, em “Simbora – O musical”, onde impressiona pela carga dramática e semelhança que imprime ao personagem, famoso nos anos 60.
Em conversa com o Almanaque da Cultura, Ícaro se revela feliz com o peso de interpretar uma personalidade como Simonal, “é um personagem muito rico, com curvas ascendentes e descendentes em toda a trajetória e essa complexidade traz muito trabalho, mas muito prazer também” e se diz aberto para novos desafios: “Tenho tido a vontade de fazer um personagem de gênero feminino. Não necessariamente uma mulher, mas alguém que socialmente viva como uma”, conclui.
Almanaque da Cultura: Como foi dar vida ao ícone Simonal nos palcos?
Ícaro Silva: Fazer o Simonal é uma experiência grandiosa, emocionante e ao mesmo tempo assustadora. Dar vida a um personagem histórico é um processo complexo, que envolve a memória afetiva de muita gente. Durante os ensaios experimentei o medo de não atender às expectativas daqueles que conheciam a vida e a obra de Simonal contraposto à minha necessidade de construir um personagem autêntico, longe de qualquer estereótipo ou imitação. A direção pontual do Pedro Brício e o contato com o elenco foram fundamentais para que esse segundo caminho se mostrasse o mais acertado, principalmente para o tipo de espetáculo que estávamos criando.
Almanaque da Cultura: Como foi essa preparação?
Ícaro Silva: Tive um mês de preparação sozinho, que começou assim que soube o resultado das audições e mais três meses de ensaio com elenco e direção criativa. Nesse primeiro mês, estive focado em pesquisar profundamente a vida do Simonal, seus momentos de glória, seus momentos de dor, seu contexto histórico. Esse é um personagem muito rico, com curvas ascendentes e descendentes em toda a trajetória e essa complexidade traz muito trabalho, mas muito prazer também. A preparação vocal também é parte fundamental em um processo como esse. Tive muita ajuda da Silvia Pinho, excelente fonoaudióloga e pesquisadora vocal e também da Cacala Carvalho, cantora, professora de canto e preparadora vocal do espetáculo.
Almanaque da Cultura: Simonal era muito explosivo. Você é assim?
Ícaro Silva: Definitivamente. Mas não de maneira negativa. Essa característica geralmente é mal vista, mas eu sinto que está diretamente ligada à mentes extremamente ativas. Sou uma grande sucessão de explosões criativas, há sempre alguma ideia germinando ou pensamento tomando conta da minha cabeça e muitas vezes é impossível segurar esse fluxo, daí a projeção de sentimentos, a explosão. No caso de Simonal, acredito ainda em outro tipo de explosão. Essa, de quem vai perdendo o controle sobre o próprio tamanho, sobre a própria vida e sobre os próprios valores.
Almanaque da Cultura: Você se identifica com algum ponto do personagem?
Ícaro Silva: Me identifico com Simonal em muitos aspectos, principalmente históricos. Como eu (e infinitos outros), ele conheceu cedo o racismo e a falta de representatividade que dominam nossa sociedade. Como eu, ele descobriu que havia uma maneira de explorar o próprio talento para mudar a realidade. Como eu, ele encontrou no palco e na presença do público, uma “religião”, uma maneira de ser inteiro, ainda que somente no ali. Infelizmente, a carreira de Simonal tomou um caminho sofrido e duro, mas sua história é a mesma de tantos jovens brasileiros que, apesar das adversidades, seguem criando para mudar seu entorno.
Almanaque da Cultura: Durante a vida toda Simonal enfrentou polêmicas. Como você, Ícaro Silva, lida com a exposição que a mídia traz em sua vida?
Ícaro Silva: Para ser sincero, ainda estou descobrindo como lidar com isso. Eu fico realmente impressionado com a força de mídia que a televisão tem e com a relação que se cria com o público a partir dessa exposição. Uma grande parte da população deixa de se relacionar com artistas para se relacionar com “famosos” e há aí uma desvalorização enorme do talento. Por isso, tento viver minha vida pessoal com o máximo de discrição. O lugar onde quero e devo estar exposto é no palco, no set, no estúdio. Toda e qualquer outra exposição me parece perigosa, principalmente quando está claro que não está relacionada à minha capacidade artística.
Almanaque da Cultura: Hoje vemos muita repercussão sobre casos de racismo na mídia. Como você enxerga isso?
Ícaro Silva: Há 28 anos tenho enxergado o racismo, na mídia e fora dela. A repercussão que se nota nos últimos tempos é reflexo da ascensão econômica da população negra/pobre e do desenvolvimento da comunicação, como é o exemplo das redes sociais que, para o bem e para o mal, dão voz a quem antes não tinha. É dolorido, é sofrido, mas é vital que se discuta sobre racismo e qualquer outra forma de segregação e preconceito. Ainda vivemos sob um sistema educacional falho, totalitarista e competitivo, que forma cidadãos limitados e vazios. A chave para o fim de qualquer preconceito está na educação, na multiplicidade cultural, na informação. Minha escolha pela arte passa principalmente por essa necessidade de transformar, educar, revelar.
Almanaque da Cultura: Você recentemente dirigiu a peça “Primeiro Sinal”, como encara o desafio de ser diretor?
Ícaro Silva: Não me sinto experiente o suficiente para me considerar diretor de teatro, mas como ator já fiz muitas escolhas que naturalmente passariam pelo diretor. Sem consciência disso, eu não teria dirigido “Primeiro Sinal”, mas acreditei no texto e na fibra do Igor Cosso e em tudo o que experimentei e vivi em processos com diretores. Posso dizer que foi uma experiência reveladora e muito bonita também. Fazer teatro com a possibilidade de olhar o todo, de decidir sobre cada detalhe é muito especial.
Almanaque da Cultura: Que personagem sonha em fazer?
Ícaro Silva: São tantos! Alguns ainda em sonho, outros começando a tomar forma. Ultimamente tenho tido a vontade de fazer um personagem de gênero feminino. Não necessariamente uma mulher, mas alguém que socialmente viva como uma. Sinto a necessidade de mudar a postura do mundo em relação à mulher e ao gênero feminino, que já há muitas eras é subjugado, seja pela religião, seja pelos sistemas políticos e econômicos. Personagens com questões sociais têm me despertado o interesse frequentemente e enxergo aí uma forte responsabilidade artística. Como disse, vejo a arte como caminho de transformação.
Almanaque da Cultura: Fale sobre seus projetos futuros.
Ícaro Silva: Em 2016 estarei presente em 2 longas instigantes; “Elis, o filme” onde mais uma vez tive a oportunidade de interpretar Jair Rodrigues e “Sob Pressão”, drama de Andrucha Waddington que explora o cotidiano dos médicos do sistema de saúde pública do Brasil. Além disso, tenho um show programado para breve, com temática black e alguns outros espetáculos sobre os quais eu não tenho tanta informação. No geral, pretendo pisar em muitos palcos, sets e estúdios esse ano. Se houver personagens interessantes, complexos e instigantes, estarei lá.