O longa nacional “Aos Olhos de Ernesto”, de Ana Luiza Azevedo, arrematou mais dois prêmios: melhor filme pelo público e melhor ator (para o uruguaio Jorge Bolani) no 23º Festival Internacional de Cine de Punta del Este. O filme, produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, já havia sido premiado pela crítica na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Filme tem estreia marcada para 2 de abril.
O longa teve sua estreia mundial em outubro no 24º Festival Internacional de Busan (Coréia do Sul), o maior festival de cinema da Ásia, na categoria “World Cinema”. Muito bem recebido em terras asiáticas, foi considerado “ao mesmo tempo, bem-humorado, poético, sério e comovente”. Um filme que, segundo a curadora do festival, “transcende facilmente a diferença de idioma e a diferença cultural”. Para a diretora Ana Luiza Azevedo, ter seu filme assistido por olhos coreanos foi especial. “Foi mágico perceber que a história escrita por mãos brasileiras, com um colorido do sul da América do Sul, se comunica tão bem com aquele país do outro lado do mundo”.
Com recepção similar por aqui, “Aos Olhos de Ernesto” foi laureado pela crítica da Mostra SP justamente “por tratar a solidão de maneira realista, sem abrir mão do humor” e “por apostar, com segurança, num estilo narrativo que dialoga tanto com cinéfilos, quanto com amplas plateias”. O longa também já foi exibido na Mostra Latina do Festival do Rio 2019 e no 41º Festival Del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana.
Na trama, a solidão, a amizade, o amor e as redescobertas na terceira idade permeiam a história de Ernesto, vivido pelo ator uruguaio Jorge Bolani. Aos 78 anos, o personagem, ex-fotógrafo uruguaio, se depara com uma crescente cegueira e as limitações diversas que acompanham a avançada idade. Viúvo e pai de filho único – Ramiro (Julio Andrade), que vive longe -, Ernesto ressignifica sua vida e os padrões da velhice ao conhecer a jovem Bia (Gabriela Poester), que o ajuda, até mesmo a reencontrar um grande amor. Também no elenco, Jorge d’Elia, como Javier, o vizinho de Ernesto; Glória Demassi, que vive Lucía, o amor uruguaio do protagonista; e as participações de Mirna Spritzer, Áurea Baptista, Janaina Kremer, Celina Alcântara e Marcos Contreras.
“‘Aos Olhos de Ernesto’ é um filme humanista. A melancolia, o lirismo e o humor fazem parte tanto da condução do drama como na composição das imagens e dos personagens. A mesma melancolia, lirismo e humor presentes na literatura de Mario Benedetti. A companhia fresca e afetiva de Bia faz Ernesto repensar a maneira como ele envelhece. Momentos sombrios são substituídos pelo sol e pela vida. Um filme para se defender que há muito a ser vivido, mesmo aos 78 anos”, comenta a diretora.
Escrito por Ana Luiza, em parceria com Jorge Furtado, o roteiro passou por laboratórios de desenvolvimento e teve consultoria do escritor cubano Senel Paz (autor de “Morango e Chocolate”). “Ganhei o prêmio MinC para desenvolvimento do roteiro em 2012. Realizei as primeiras versões com Miguel da Costa Franco e Vicente Moreno. Depois tive consultoria do escritor cubano Senel Paz e participei do Laboratório SESC de Novas Histórias. No início de 2018, eu e Jorge Furtado escrevemos o roteiro final. Este trabalho com o Jorge, que durou dois meses, foi fundamental para o filme ser o que é”, explica Ana Luiza, uma das coordenadoras do Núcleo de Roteiro Casa de Cinema de Porto Alegre.
Entre diversos aspectos e processos de criação do filme, a mescla de várias culturas e o uso do “portuñol” são marcas do projeto. A proximidade cultural entre as cidades do Sul do Brasil, Uruguai e Argentina estão presentes na obra através da música, da língua e da literatura. “É bastante comum encontrar em Porto Alegre, uruguaios e argentinos, que vieram fugidos das ditaduras em seus países e que aqui permaneceram, mas que seguem falando com forte sotaque, misturando as duas línguas e cultivando fortemente a cultura de seu país. A formação histórica do Rio Grande do Sul já é uma mistura dessas culturas do sul da terra. Por muito tempo pertencemos à Província Cisplatina e isto se reflete na cultura. Estamos mais próximos da Argentina e do Uruguai do que do centro do país. Hablamos portuñol com muita facilidade”, explica Ana Luiza.
A história de Ernesto foi inspirada na vida do fotógrafo italiano Luigi Del Re. “O personagem surgiu a partir da história dele, fotógrafo italiano que vivia em Porto Alegre, e que com a idade e avanço da cegueira já não conseguia mais se corresponder com a irmã, que morava na França”, conta a diretora e roteirista. “Em homenagem a Luigi, usamos na direção de arte as suas fotos e equipamentos de filmagem para compor o universo de Ernesto e seu apartamento. Mas Ernesto não é só Luigi: é um pouco de nossos pais, e de nós mesmos”, complementa a cineasta.
Sinopse de “Aos Olhos de Ernesto”
Ernesto vem enfrentando as limitações da idade avançada como a solidão e a crescente cegueira, que ele acha que pode disfarçar de todos. Quando ficou viúvo, Ernesto aprendeu que envelhecer é ocupar os silêncios com um disco rodando, com os telefonemas do filho que mora longe, com as idas ao banco para buscar sua escassa aposentadoria, com rápidas visitas do vizinho Javier e a espera de uma nova carta de Lucía. Mas Bia, uma descuidada cuidadora de cães, atropela a sua vida e coloca em risco seu metódico cotidiano. E Ernesto percebe que envelhecer pode ser rejuvenescer com a intensa companhia de uma menina que não tem nem trinta anos. Que a vida e o amor são possíveis, até para quem tem quase 80 anos.