Fundamental para a análise da trajetória da população afrodescendente e seu espaço na sociedade contemporânea, o fim da escravidão no Brasil é o cerne de “A Última Abolição”, documentário que marca a estreia da roteirista Alice Gomes na direção e chega aos cinemas em 18 de outubro.
Produzido pela Gávea Filmes e Esmeralda Produções, tendo a Buda Filmes como produtora associada e coprodução da Globo Filmes, GloboNews e TV Escola, o longa-metragem faz uma pesquisa abrangente e abarca dos primeiros movimentos abolicionistas no século XVIII às recentes políticas de ações afirmativas, passando por revoltas, lutas, greves, quilombos e líderes da própria população negra, chegando ao encarceramento e extermínio de jovens negros no país.
Tratando o tema como um todo, o filme aborda a chegada dos primeiros navios negreiros, o fortalecimento dos movimentos abolicionistas, o cenário pós-abolição e a condição do negro na sociedade desde aquela época. “É enorme a necessidade de se falar sobre a resistência escrava no período e as nuances do abolicionismo no Brasil porque, embora sejam temas muito estudados na academia, são pouco explorados no nosso audiovisual”, enfatiza Alice, que conta em seu filme de estreia com a supervisão artística de Jeferson De e roteiro e entrevistas de Luciana Barreto.
Com mais de uma década dedicada aos estudos das questões raciais e um grande período na militância, a jornalista e pesquisadora Luciana relembra com orgulho os primeiros pilares para a construção do filme, iniciado há dois anos. “É um filme inédito do ponto de vista da pesquisa, dos entrevistados, da equipe e do olhar que lançamos sobre o 13 de maio. Apresentamos um material rico, consistente e muito informativo, onde prevalece a ótica de pesquisadores, especialistas em história, quase todos negros”, observa. “Foi terrível digerir as atrocidades que foram cometidas contra os escravizados neste país e pensar no quanto essa história é negligenciada. E, pior ainda, ter que perceber o tempo todo o quanto os 350 anos de escravidão estão presentes na nossa história atual de violações diárias de direitos que acometem a população preta e parda até hoje”, conclui.
Encabeçando a lista dos países que mais receberam populações africanas escravizadas (5,8 milhões de negros ao longo de três séculos e meio), o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888. “Acho que o principal desafio desse filme é mostrar uma visão da história mais complexa do que a que aprendemos na escola. Conhecer nosso passado e suas nuances é essencial tanto para entendermos o presente, quanto para ajudarmos a traçar estratégias e planos para melhorar o futuro”, ressalta Alice Gomes.
O longa investiga como a escravidão passou de algo moralmente aceito a uma pratica condenável em nível internacional sempre construído com base em depoimentos de historiadores, sociólogos e líderes do movimento de consciência negra. “O mito da democracia racial ainda vigora em nossa sociedade e isso é muito nocivo para a população negra, pois dificulta o debate e combate ao preconceito. Temos que enxergar nossa sociedade como ela realmente é: excludente, desigual e falsamente cordial. Quero valorizar a luta constante do povo negro no Brasil, seja por liberdade, como no passado, ou por direitos e igualdade, como no presente”, pontua a diretora.
O filme tem tomadas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador e é inteiramente baseado em depoimentos de estudiosos do tema, como os historiadores João José Reis, Ana Flávia Magalhães e Giovana Xavier, entre muitos outros. “Nossa preocupação sempre foi ampliar a voz de intelectuais e profissionais negros que lutam para valorizar a importância do negro na história, combatendo o preconceito racial e diminuindo as injustiças sociais. Como diz Sueli Carneiro num belíssimo depoimento para o filme, acredito que um novo contrato social mais igualitário entre brancos e negros seja possível”, encerra.