Com 94 anos de idade, Ruth de Souza faz parte do elenco de ouro de atores da dramaturgia nacional. Seus 70 anos de carreira estão sendo celebrados no livro “Uma Estrela Negra no Teatro Brasileiro: Relações Raciais e de Gênero nas Memórias de Ruth de Souza”, cuja autoria é de Julio Claudio da Silva, Doutor em História Social e professor adjunto da Universidade do Estado do Amazonas. A obra foi lançada no último dia 25 de setembro pela UEA Edições e o escritor conversou com o Almanaque da Cultura sobre o projeto e a artista.
Ela a chama respeitosamente de “Dona Ruth” e conta que a ideia de abordar o tema surgiu a partir de sua tese de doutorado de Julio, feita no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF). E um olhar ainda não lançado sobre a trajetória dela o motivou a escrever. “Descobri que ela possuía um acervo inédito de documentos e percebi que, embora existissem vários trabalhos sobre o Teatro Experimental do Negro, nenhum abordava a trajetória da atriz negra egressa daquele grupo”.
Foi exatamente neste grupo que Ruth começou na vida artística. Após ganhar uma bolsa e estudar durante um ano na Universidade de Harvard e na Academia Nacional de Teatro Americano, nos Estados Unidos, ela seguiu como atriz. Foram mais de 40 novelas, 33 filmes e dezenas de peças. Ela é pioneira em diversas questões dentro do cenário cultural brasileiro, como explica Julio Claudio.
“A primeira atriz negra a interpretar textos clássicos, dramas e comédias. A primeira atriz negra a atuar no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (em 1945). A primeira, entre os brasileiros e brasileiras, a disputar o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, com o filme “Sinhá Moça” (1953). E na televisão, a primeira mulher negra a protagonizar uma telenovela, no Brasil, em ‘A Cabana do Pai Tomás”, ele esclarece.
Luta na vida de Ruth de Souza abriu portas para atores negros
O autor chama a atenção também para o fato de que sua pesquisa foi feita no momento, imediatamente posterior, a alteração a Lei 10.639/03, determinou o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica. Esta resolução também mostrou a importância de pesquisar e registrar a contribuição de personagens negros para a formação cultural, econômica e politica do Brasil.
“Dentro do propósito das universidades, de identificar a contribuição do negro na formação cultural do Brasil, e dentro do contexto da cultura do racismo, o livro enfoca esse teatro que surgiu para denunciar o racismo e abrir espaço para o artista negro. E Ruth de Souza tem importância ímpar nessa história”, defende o professor.
A atriz foi uma das pessoas que abriu as portas para a presença de negros no cenário artístico nacional, embora este aspecto ainda esteja longe de ser o ideal. Julio revela que ela se orgulha muito desta sua condição. “Ela tem a plena consciência de sua relevância como atriz negra, reconhecida pela crítica como talentosa e competente, e do seu pioneirismo”, conta Julio. Esta foi a luta de Ruth e sua contribuição para transformar a sociedade brasileira, trazendo novas cores para os palcos e telas de cinema e de televisão no Brasil.