‘Liberdade, Liberdade’: Maitê Proença fala de semelhanças com personagem Dionísia

Em “Liberdade, Liberdade“, novela das 11 de Mario Teixeira, Maitê Proença dá vida a Dionísia, uma viúva libertina e sedutora, que faz de escravos objetos sexuais e de tortura. Em conversa com o Almanaque da Cultura a atriz falou sobre cenas de nudez e momentos quentes na trama. “Liberdade, Liberdade” é uma novela de Mario Teixeira baseada em argumento de Marcia Prates, livremente inspirada no livro  “Joaquina, Filha do Tiradentes”, de Maria José de Queiroz. A direção artística é de Vinícius Coimbra.

Mulher do século XVII
Esquece a maquiagem (risos). Não se prepara nem a pele para gravar. O que, no fundo, representa a vaidade para a personagem é uma peruca branca. Mas, ainda assim, meio que mal colocada, com os cabelos debaixo ainda aparecendo, meio sem jeito. É que mesmo lá, no meio do nada, naquele sertão, sem conforto, ela faz questão de mostrar esse amor pela aristocracia e algum apego pela civilidade.

Um pouco de Dionísia
É uma mulher de fortes contradições. Ama os protocolos aristocráticos, as regras da corte, extremamente católica, mas submete os escravos a práticas sexuais. E ai se não sair do jeito que ela goste. Porque, se não, manda para o pelourinho. Olha que delícia! (risos)

Abusos com os escravos
Faz como quem toma um chá. Ah, cansei da vida, vem cá (risos). Se ela está um pouco tensa, teve um aborrecimento, manda fazer do jeito que ela gosta (gargalhadas).

Maitê Proença como Dionísia, em ‘Liberdade, Liberdade’ (Foto: Felipe Monteiro/Gshow)

Cenas quentes
Creio que não serão cenas fortes, não sei o quanto será exibido. Afinal, o Mario Teixeira não é um autor que descreve muito as cenas, até para deixar o diretor e os atores com liberdade para fazer a cena como convier. A gente vai resolver ali na hora. Mas eu, como espectadora, prefiro que tudo seja mais sugerido do que efetivamente mostrado.

Relação de Dionísia e Joaquina
Ela reprime a sobrinha, porque elas entram em confronto. A Joaquina veio para contradizer o que essa mulher sempre achou que era certo. O que ela considera blasfêmia, o que para ela naquele momento, naquele lugar, parece correto. Mas esse é o barato. Porque todos nós somos tão cheios de contradições.

Ela tentou matar o marido…
Mas não conseguiu, o que ela lastima muito (risos). Afinal, sofria violência doméstica, tem marcas no corpo dos maus tratos que ele a submetia todas as noites. Até o dia em que ela se revoltou. E não dormiu.

Abrir os olhos das pessoas em relação à violência domésticas nos dias atuais
A melhor maneira de fazer as pessoas pensarem é contando histórias. É assim desde que o mundo é mundo, e os nossos ancestrais sentavam em volta de uma fogueira. Aprendemos melhor ouvindo histórias porque, assim, traçamos relações com a nossa vida, ainda que de forma indireta, sem a pressão de alguém estar nos impondo uma tese. Falo de emoção. E, para que eu possa fazer esse apelo, tenho que fazer a personagem da forma mais verdadeira possível.

Dionísia (Maitê Proença) não tem pena de Saviano (David Júnior) (Foto: Felipe Monteiro/Gshow)

Semelhança entre Dionísia e Maitê
Sim, até porque vou colocar todos os meus sentimentos ali. A gente sempre tenta compreender o personagem, mesmo que não se identifique com uma série de coisas. Tem que ser feito um esforço. Como em qualquer relação. Quantas vezes, em um casamento, a gente não engole uns sapos que não quer? Ou quando os filhos da gente fazem algo que não aprovamos, vamos deixar de amá-los ainda assim? É preciso não ter preconceito. Não sei se estivesse no lugar da Dionísia, se reagiria de forma diferente dela. Não vivi aquilo, não posso dizer. Esse é o único lugar possível para passar verdade em um personagem.

Telespectador careta?!
Acho que houve abusos e o público se sentiu usado. Ninguém é bobinho e, por causa de um peitinho aqui, outro ali, vai dar audiência. Houve uma vulgarização no uso da nudez. Claro, é bom fazer quando é necessário, se vai contribuir para a cena, para contar uma história. Mas, às vezes, é só um mecanismo para caçar público.

Nudez na telinha
Parece que sim (aparecer nua na trama). Ainda não sei. Mas eu estou bem, você não acha (risos)?

Joaquina (Andreia Horta) enfrenta Dionísia (Maitê Proença) e é afastada por Bertoleza (Foto: Felipe Monteiro / Gshow)

Trama política justamente diante desse cenário tão conturbado do Brasil
Acho apropriado. Mostra que estamos lutamos pelos mesmo direitos desde sempre. Essa história veio em um momento muito feliz, de virada. Liberdade, Liberdade mostra que um povo só é digno se tiver educação e cultura, porque é a única maneira de alguém bancar sua opinião e lutar pelo que acredita. Afinal, se não for assim, vamos continuar aceitando as verdades que nos são impostas. A gente tem um povo tão humilde, que já foi tão humilhado, massacrado, que sente que não tem valor. Um país assim não é um bom lugar para se estar. Afinal, vamos entregando os pontos. E, para uma pessoa mais sem condições, fica fácil aceitar o que aquelas pessoas que tem dinheiro pensam, porque, sem autoestima, vamos acreditando que elas devem mesmo ser mais inteligentes. Que sabem mais do que a gente.

Paixão pelo Salviano, o escravo preferido
A Dionísia é uma senhora de escravos e os trato como peças, não como pessoas. Esse, aliás, é um dos embates dela com a sobrinha Joaquina (Andreia Horta). Para a fidalga, ela comprou e faz o que bem entende com esses negros. E as pessoas realmente pensavam isso. Afinal, os negros foram por séculos rotulados como animais. Muitas mentiras foram inventadas sobre esse povo para justificar a escravidão. O preconceito surge aí.

Joaquina (Andreia Horta) fica chocada ao ver escravos sendo castigados (Foto: Felipe Monteiro / Gshow)

E, ainda assim, há quem insista em ser racista…
A gente vive em um país que não tem memória, é incrível.

Dionísia no nosso passado colonial
Não sei se estamos inventando não, viu. Acho que uma mulher como essa não é coisa da ficção. Acho muito provável que tenham existido muitas Dionísias por aí.

A mulher também sofre muito com essa herança maligna do Brasil colônia
Vai demorar muito. A mulher também sofre com sua escravidão. Há países em que elas são obrigadas a casar com quem não gosta, a ter filhos que não desejam. Não tem direito a herança, a educação, ao trabalho. Não podem nem se cuidar sozinhas.

Na boca do povo
As pessoas gostam de ver as mulheres em lugar de comando. Até porque, na sociedade, você vê o posto. As histórias extraordinárias chamam atenção, porque o corriqueiro dá para ver da janela de casa.