Lilia Cabral comenta cena aterrorizante de surra em ‘Liberdade, Liberdade’

Lilia Cabral conversou com nossa reportagem e falou um pouco de sua carreira profissional e comentou detalhes de sua personagem em “Liberdade, Liberdade”.

Almanaque da Cultura: Sua personagem levou uma surra recentemente. A cena foi aterrorizante. Como foi esse processo?
Lilia Cabral: Na verdade nunca tinha feito uma cena do tipo. Eu já apanhei em “A Favorita”. Lá eu apanhava bastante (risos). Era muito mais a sensação da humilhação que a personagem sofria, do que propriamente a dor do que acontece. A gente não apanha. Mas você se transformar como ouve essa transformação, de fato assusta. Eu botei uma foto no Instagram, porque eu também fiquei assustada. Eu não costumo ver a cena no monitor. Eu não me preocupei ver a cena no monitor como é que eu estava. Eu só via no espelho. Acabei de maquiar e fiquei vendo. Mas no vídeo de fato é bem assustador.”

Almanaque da Cultura: Em relação à violência contra mulher, como você encara isso?
Lilia Cabral: Enfim, eu já fiz campanhas contra a violência da mulher, já defendo pontos de vista mesmo quando eu posso em relação aos personagens. Não é que dessa vez eu esteja fazendo uma coisa diferente. Eu acho que na minha vida é mais um passo como personagem, uma oportunidade de você simplesmente se colocar como mulher, e como nós somos frágeis. Né? Não que nós somos fracas. A gente acaba sendo frágil. No sentido de que uma pessoa mais forte que a gente, é capaz de nos matar. Né? Mas, não é capaz de nos matar, se a gente tiver que competir de igual para igual. E isso foi mudando durante os anos que foi se passando. As coisas foram melhorando para as mulheres. Mas, o lado machista a gente percebe que continua. Essa cultura ao machismo continua. O que a gente acabou de ver recentemente, nessa sequência de horrores em relação a menina de 16 anos, é uma sequência de horrores (se referindo ao caso de estupro coletivo que aconteceu no Rio de Janeiro). Quer dizer, isso acaba nos agredindo. Claro que nos agride! Tem uma sequência da personagem que eu ainda vou gravar, que ela diz, já naquela época: “se nós somos mulheres, e temos dinheiro, nós temos dote. Então, o caminho é o altar. Se nós não temos nada. Nós não temos chance”. Em 1808, a mulher falava assim. Nós não temos chance e acabou.

Almanaque da Cultura: A novela está bem atual, né?
Lilia Cabral: Pois é. Quando começamos gravar essa novela, nunca se imaginou que a gente fosse passar tudo o que nós estamos passando. E da forma que estamos passando. Dos acontecimentos e tal. E a novela parece que foi baseada na história que nós estamos vivendo. E o autor não se baseou. Até então, nada do que está acontecendo, passava pela cabeça dele. E cada vez que se abre aquele Globo.com, é uma coisa. Você sai de casa com a coisa de um jeito, abre o site, está de outro. Impressionante! Amanhã, imagina o que não vem né? A novela está ajudando bastante. A trama é muito contemporânea. Mesmo passando em 1808, na forma de fazer, na forma de contar, nas coisas que acontece, acho que ela tem um olhar contemporâneo. Na forma de ser feita. Eu estou muito feliz de fazer parte desse produto.

Almanaque da Cultura: Nós últimos anos, você tem interpretado grandes personagens na TV. A que você atribui isso?
Lilia Cabral: A que eu atribuo? Sei lá! (risos). Olha, assim que eu comecei na televisão, eu me lembro de que eu sobrevivia não com o dinheiro da tevê, e sim, do teatro. Eu fazia um espetáculo de sucesso e ganhava bem. E sempre guardava todo o dinheiro que eu tinha. A televisão para mim, eu sabia que o começo dela seria um investimento em minha carreira. Eu acho que por uns dez anos, de fato foi um investimento meu. Porque cada papel é uma descoberta. O papel podia ser do tamanho que fosse, que eu não ia deixar passar. Era muito importante em algum momento eu sempre mostrar porque eu tinha escolhido essa profissão.

Almanaque da Cultura: E quando aconteceu essa virada?
Lilia Cabral: Os anos foram se passando, e, eu tive muita sorte. Uma sorte grande de dois olhares, de dois diretores. E também do autor, que foi quando eu fiz “História de Amor”, esse foi o meu grande ponto de partida. Foi quando as pessoas passaram a me ver de uma outra maneira. Que eu só não fazia personagens leves. Então foi um ganho para mim. Me lembro muito bem do Paulo Ubiratan (diretor já falecido) falando para mim: “olha, eu vou dar uma vilã para você. Que não é vilã. Mas se você não fizer bem, nunca mais faz nada na minha executiva”. Eu só pensava nisso! Falava em um tom de brincadeira. Ele estava confiando em mim. E o Manoel Carlos também. Ele aceitou! Foi ali que eu acho que eu tive sorte. A gente sempre diz que a sorte é importante. Eu tive sorte porque o Maneco poderia dizer que não. Mas ele aceitou. Maneco, Paulo e Ricardo Waddington apostaram em mim. E quando eu vi o tamanho do personagem, da complexidade que era, e como o autor desenvolvia as cenas, e aquela quantidade de paginas. Só tinha um pensamento – ou agora acontece, de fato aquilo o que eu sempre quis, que as pessoas me olhassem e dissesse: “ela é uma atriz, é uma atriz de respeito”. Eu gosto de ver o olhar das pessoas. Eles me olham e eu sinto que eu sou respeitada. Ou eu aproveito esse momento, e não deixo passar de jeito nenhum. Ou então para ter outro momento. Mas eu ai, aproveitei. Aproveitei e foi muito bom. As pessoas começaram a me ver de fato de uma outra forma. E fui crescendo. Casei, engravidei, fiz “Anjo Mau”, Laços de Família”, foram vindo pessoas importantes na minha vida, autores muito importantes em minha vida, diretores importantes em minha vida. Foi ai que eu fui crescendo. Não foi porque um dia me deram. Acho que foi através do trabalho mesmo. E das chances que eu nunca deixei correr. Sabe? Sempre que eu via que tinha uma oportunidade, eu ia atrás.

Almanaque da Cultura: Sua participação no “Tá no Ar” foi memorável. Em uma conversa com o Marcelo Adnet, ele falou que a ideia das Helenas foi sua. Como foi isso?
Lilia Cabral: Não! Eles me convidaram para fazer Helena. Eu tinha acabado de fazer a Globeleza. O Marcius Melhem falou assim: “daqui a vinte dias, a gente vai chamar você, que vamos fazer as Helenas”. Eu perguntei que Helena? Eu falei que nunca tinha sido Helena do Maneco. Ele se assustou: “nunca foi?”. Nunca fui!!! Eu nunca fui, mas eu sempre quis ser. Nisso, eu estava chegando para almoçar, encontrei os meninos, e falei: “sabe o que tinha que ser, tinha que ser assim e tal”. Eles chegaram a mandar texto. Eles não acreditavam que eu não tinha sido Helena. Eu falei que entraria na livraria e falava: “eu sempre quis ser, mas não consegui”. Eles toparam e ficou muito bom. Eu adorei!

Almanaque da Cultura: Você não se leva a sério. Você brinca com si mesmo, né?
Lilia Cabral: Imagina! É o tal negócio. Eu não fiz a Helena. Mas eu fiz os personagens mais incríveis do Maneco. Fiz quatro novelas dele: “História de Amor”, “Laços de Família”, “Páginas da Vida” e “Viver à Vida”. Então, são quatro personagens, que qualquer um que eu fale aqui todos vocês irão lembrar. Só dois foram indicados ao Emmy. Então eu tenho que chorar porque eu não fiz a Helena? Claro que se me desse a Helena eu ia ficar muito feliz. Mas não é nenhum desprestigio. O contrário! Eu fui presentada muito pelo Maneco. Eu sentia o que ele fazia como personagem que ele me dava, ele se arriscava mesmo. Por pura confiança. E, eu tinha que dar conta do recado. Então, cada cena era um desafio. Mas que sabe ele faz uma Helena de dez capítulos e, eu a interpreto?

Almanaque da Cultura: Além desses personagens dramáticos, você toparia interpretar um papel cômico na TV?
Lilia Cabral: Nossa! É o que eu mais quero. Agora eu não sei o que vai ser da minha vida. Depois dessa, eu vou fazer a novela da Glória Perez, mas claro que eu faria. Eu na verdade, queria uma vez por mês, fazer o “Tá no Ar”. Eu falei para eles. Eu podia botar no meu contrato que eu teria que fazer uma vez ao mês, eu faço um “Tá no Ar”. Entendeu? Vou lá, brinco e volto. É muito bom. É uma delicia. Eu adoro fazer comédia. As pessoas me conheceram assim. Mas na Escola de Artes Dramáticas, eu fazia as tragédias e tal. Era a única oportunidade que eu tinha de fazer as coisas. Eu não sabia como seria o dia de amanhã. E, eu aproveitava. Era assim. Eu gosto bastante de comédia. Eu sempre gostei.

Almanaque da Cultura: Sua filha recentemente revelou que quer seguir os seus passos como atriz. Como você recebeu isso?
Lilia Cabral: Olha, eu sou muito tranquila nessa situação. A Giulia sempre se mostrou muito voltada às artes. Apesar de ser uma excelente aluna, muito boa aluna em matemática, física, química, enfim. O pai sempre falava que tinha que ser engenheira. Ele fazendo um trabalho vocacional, o caminho dela era as artes mesmo. Ela está fazendo PUC, produção textual. Ela já está no quarto período. Ela escreve muito bem. Ela tem uma facilidade para escrever. E, ela gosta! Quando ela estava ainda na escola, ela fez cinco anos de Tablado. Então, na verdade, uma coisa, acrescenta a outra. Ela se sente bem. Ela se sente feliz. E, eu vejo que cada dia que passa ela está amadurecendo mais. Mas uma coisa eu digo com muita propriedade. Como eu falo para todas essas meninas que estão começando: “primeiro, tem que estudar. Tem que pensar assim, você quer ser uma atriz por três anos, ou você quer ser a vida inteira? Se você quer ser a vida inteira, se é essa a sua vida, você tem que estudar. Tem que saber de onde vem essa profissão. E, tem que ter a cultura do que a gente faz”. Eu acho o que a minha filha está fazendo é se aculturando. Escrevendo na PUC, e, agora ela esta na CAL. Ela faz as duas coisas ao mesmo tempo. Ela está feliz. E, eu fico feliz. E não fico pressionando. Eu acho que o caminho é dela. Não acredito que todo mundo vai comparar. Não tenho essa preocupação. É a vida dela. Eu confio nela.

Almanaque da Cultura: Você comentou que é uma profissão difícil, né?
Lilia Cabral: A minha filha tem muita consciência em relação à profissão. Porque ela vê na minha casa. Como eu trabalho. E vê desde criança. Ela sabe que não é fácil. E vê mesmo. O seu crescimento também não é só de passar a mão na cabeça.

Almanaque da Cultura: Você pensa em ela escrevendo uma novela?
Lilia Cabral: Puxa, não sei se é para eu atuar, mas olha que seria muito bom. Ela está fazendo um caminho bonito. Então, sem pressão alguma. Sem cobrança nenhuma. A gente deixa a vontade. O importante é ela estar feliz. Mas pelo menos, eu fiz tudo escondido. Ela não precisou fazer nada disso. Eu fiz tudo escondido. A maior loucura da vida.