No currículo de Lilia Cabral não faltam atuações marcantes. Atualmente a atriz dá vida à Virgínia, dona de bordel e amiga dos inconfidentes em “Liberdade, Liberdade“, nova novela das 11, da TV Globo. A nova personagem de Lília tem tudo para entrar para este seleto rol de boas atuações. Dona do cabaré de Vila Rica, ela cuida de suas meninas como se fossem filhas. Poucos sabem, no entanto, que Virgínia, conhecida por sua beleza e inteligência, é também um dos pilares do movimento dos inconfidentes.
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“Liberdade, Liberdade” é uma novela de Mario Teixeira baseada em argumento de Marcia Prates, livremente inspirada no livro “Joaquina, Filha do Tiradentes”, de Maria José de Queiroz. A direção artística é de Vinícius Coimbra. Em conversa com o Almanaque da Cultura, a artista contou que, assim como a personagem do folhetim, é uma mulher que se considera feminista e defende aquilo que gosta e seus interesses.
Almanaque da Cultura: Como é essa nova personagem? É uma revolucionária?
Lilia Cabral: Minha personagem se chama Virgínia. Ela é uma mulher, uma prostituta, uma cafetina. E na verdade ela é uma revolucionária. Mas nas horas vagas (risos). É uma mulher que eu acho que viveu no século 18, ela lutava pela independência do Brasil. Teve uma grande decepção amorosa, e o caminho dessa mulher foi à prostituição. Mas isso não significa que ela seja uma mulher inferior ou menor. Não! Ela é uma mulher independente. Acho que cada mulher que sofria alguma coisa, ou que engravidava, e, a família não queria, ia para o caminho do abandono. Mas na verdade, a mulher percebia o quanto ela podia existir como mulher. E não como uma pessoa submissa a família, aos modos tradicionais e tudo mais. Por ela ser uma conspiradora, eu fiquei muito surpresa porque a gente ouve pouco falar dessas mulheres. Como ela é uma conspiradora, eu procurei não uma expectativa daquela mulher que levanta bandeira, que defende o feminismo e tudo mais. A gente defende aquilo que a gente acredita, e, quanto mais a gente acredita, mais as pessoas se convencem. Então eu acho que é isso, você lutar pelas coisas, fazer exatamente que todo mundo acredite o quanto você está querendo o melhor não só para você, mas para uma gama de gente.
Almanaque da Cultura: Você se considera uma feminista?
Lilia Cabral: Me considero! Eu defendo aquilo que gosto e, como mulher, defendo os meus direitos. Aproveito os personagens que faço para defender. Não saio berrando, mas ao mesmo tempo acho que tenho uma postura elegante e consciente daquilo que sou como profissional e como mãe de família. Eu luto, claro, pelas coisas que eu quero.
Almanaque da Cultura: Seu último trabalho foi em uma trama das nove, que requer muito do ator. Por que “Liberdade, Liberdade”?
Lilia Cabral: Primeiro porque recebi esse convite e achei extremamente interessante. Você pode ver que na minha carreira não tem novela de época, tem um calor horroroso! Tem tudo o que você possa imaginar (risos)! Mas em compensação, uma trama assim, leva você para um mundo que você jamais imaginou. Quando entro no set, a sensação que tenho é que aquilo que tenho na minha vida é algo muito distante de mim e que a minha realidade é aquela: aquela coisa selvagem, grotesca, suja, compreende? Isso para mim está sendo muito diferente de tudo que tenho feito. Está sendo muito importante principalmente, porque sou fresca, bem cheia de coisinha e, com essa personagem, tenho que me desconstruir, fico suada, é para ficar suada. Isso tudo é exatamente um teste pra mim e estou me comportando muito bem (risos). Não aceitei por ser uma trama do século passado. Não é só por isso. A história me cativou bastante. Estou amando trabalhar com essa equipe. Foi uma somatória de coisas positivas que fez com que aceitasse participar dessa trama. Acho que vai valer muito a pena. Nem vi a sinopse de “Liberdade, Liberdade”, quando me convidaram aceitei na hora: “eu quero, eu quero!”.
Almanaque da Cultura: É uma novela que coloca as mulheres em um papel de liderança. Como analisa isso?
Lilia Cabral: É tudo o que a gente gosta de fazer, né? Essa postura não é de hoje. Se você for olhar, quantas novelas que você percebe que a preocupação de colocar a mulher como uma pessoa se fato importante na sociedade. Acho que a novela é feita para a mulher. Todos os homens assistem, mas as mulheres assistem muito mais.
Almanaque da Cultura: Na trama você interpreta a dona de um cabaré. Como você vai explorar essa sensualidade em pleno século 18?
Lilia Cabral: Acho que uma coisa é você ser sensual e outra coisa é você ser erotizado. É diferente! Eu não fiquei procurando: “agora eu vou me colocar como uma pessoa sensual”. Acho que quando entro no set vestida com aquele figurino, com aquele despojamento, ou quando eu entro na cena, as pessoas que estão contracenando comigo devem sentir automaticamente que existe uma mulher sensual ali. Mas fui por um caminho doce, não fui por um caminho óbvio. Eu nunca vou pela obviedade. Os figurinos são ousados. Os peitos são sempre protuberantes (risos).
Almanaque da Cultura: Você já fez muitos papeis na TV. Quais desses personagens se identificou mais?
Lilia Cabral: Todos os personagens a gente faz um pouco da gente. A gente não conta para ninguém, né? Mas a gente faz um pouquinho. Particularmente acho que o próximo papel que você vai se identificar. Aquilo que você está fazendo. Você está tão obcecado em encontrar coisas assim, que, de repente, você acha que você construiu aquilo tudo. Não foi! Quando passa, você vê: “nossa, quanta referência eu tirei de mim mesma”. Acho que o próximo eu direi: “quanta referência eu tirei para fazer a Virgínia”.
Almanaque da Cultura: Como foi a composição? Conversou com alguma prostituta da vida real? Foi atrás de alguma?
Lilia Cabral: Não fui. Fiz uma pesquisa mais de texto e visual. Não conversei com nenhuma. Dentro dessa história deixei mais a intuição. Deixei o coração falar para pensar: “alguém pode dizer com exatidão como foi naquele século?”. É muito difícil. Eu gosto muito da sensação do texto de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo. Da selvageria, das pessoas. Em cena, a gente fica muito maquiada, porque antigamente elas passavam muito pó na cara, para disfarçar as doenças.
Almanaque da Cultura: O que você está achando interessante dessa época como mulher?
Lilia Cabral: É muita roupa. Mas faz parte da nossa profissão. Depois que passa o dia inteiro a gente fala: “nem pensei que fosse sobreviver”. Mas a gente consegue. Tudo a gente consegue.
Almanaque da Cultura: Você acha que a mulher mudou bastante de um tempo para cá? Nos sentimentos?
Lilia Cabral: Os sentimentos são eternos. O sentimento é a essência. Muda o lado contemporâneo sim. O mundo cresceu e evoluiu. O sentimento e o amor evoluiu. Antigamente ninguém se abraçava e dizia: “eu te amo!”. Agora todo mundo se abraça e fala eu te amo! Mas o sentimento de amor, de dor, de tristeza, sempre será o mesmo.
Almanaque da Cultura: A gente conheceu a cidade cenográfica. Qual é a importância da cenografia para a personagem em questão?
Lilia Cabral: A cidade cenográfica é uma coisa incrivelmente maravilhosa. Há muitos anos faço novelas e u nunca vi algo como aquilo. Quando você entra ali, você nem questiona onde você está. É impressionante! É muito legal.
Almanaque da Cultura: A caracterizadora comentou dos dentes amarelados e da depilação para fazer. Isso foi um desafio para você?
Lilia Cabral: Eu nem penso nisso. Depilação eu não precisei porque estou sempre de manguinha. E eu não tenho branqueamento nos dentes (risos).
Almanaque da Cultura: As mulheres no passado eram submissas. Como você ver isso?
Lilia Cabral: Se eu criticar a mulher submissa, vou criticar praticamente a minha família toda. Eu não critico, a gente procura entender. É como fazer um vilão e você começar a defender. Você não critica, você não defende. Você simplesmente executa. Mas sempre tem. Não é o lado positivo ou negativo. Quem é ruim, é ruim mesmo! Mas alguma coisa de bom vai ter. É isso que a gente procura ver. Fazer o mais crível para que as pessoas acreditem que aquilo exista. E a defesa está em seu olhar. Um olhar que é mais abrangente. Um olhar mais generoso. Como todo mundo olharia. Não é um olhar exclusivista.