Em cartaz como o traficante Pequeno no filme “Metanoia“, Sérgio André Teixeira, mais conhecido como Thogun Teixeira, joga em todos as áreas: é ator, diretor, rapper, dublador, roteirista e coach. Com 11 anos de carreira e 41 filmes, ele assume ser este o trabalho mais difícil e desafiador. Um projeto de cinema que apresenta uma real metanoia (forte mudança de pensamento) tanto para ele, como para quem o assiste. Sobre um assunto preocupante no Brasil: o vício em crack.
Formado em direção e roteiro pela Academia Internacional de Cinema (AIC), o artista, que também está nos cinemas com o filme “A Estrada 47“, é carioca, cria do Jongo da Serrinha e botafoguense. Mora há 11 anos em São Paulo, não se considera ator de formação e, sim, “forjado na favela”. Aprendeu com a vida e orgulha-se de suas raízes. E acredita em um futuro bem melhor, tanto para si, como para as pessoas que ele vê todos os dias na Cracolândia, onde “Metanoia” foi filmado. Em uma conversa com o Almanaque da Cultura, ele mostra o relato in loco deste local e fala sobre como foi participar desta história de ficção que acaba sendo tão verídica.
Almanaque da Cultura: Como é interpretar um traficante em um filme com este tema? Como foi sua preparação como ator?
Thogun Teixeira: Eu moro no centro de São Paulo, perto da Cracolândia. Um dia eu parei num bar, na lateral na Cracolândia, e acabei encontrando com um rapper de 20 anos, que fazia um trabalho ali com os viciados em uma ONG. Lá, consegui encontrar um ex-traficante. Então começamos a trocar uma ideia, e falei “Já tá pronto o personagem, pesquisar mais o quê?” É só falar, mostrar as condições em que vivem, e olhar pra elas como elas são. São pessoas que sempre tiveram seu problema na sociedade e a fuga é a droga. A Cracolândia só existe porque quiseram que a Cracolândia existisse, sacou? Ali se justifica uma porrada de coisa. Cada pessoa que tá ali viciada em crack representa uma cifra pra Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, pro Ministério da Saúde. E a coisa tá ficando pior, porque já estão traficando cristal (metanfetamina). Tem carros que visitam o local, BMW, VOLVO, sacou?! Pessoal da alta classe paulistana e você acha que isso vai acabar? Não é só um problema social, isso atinge toda a sociedade, e não é só uma parcela. A galera não quer enxergar e não tem vontade política.
Almanaque da Cultura: As gravações foram feitas na Cracolândia. Como foi o dia a dia? O que mais te chocou?
Thogun Teixeira: Tem uma hora em que se fala lá que vai se “mexer o caldo”. A polícia força um deslocamento das pessoas na Cracolândia. O que mais me chocou foram duas mulheres grávidas, esqueléticas, de mãos dadas, puxando um carrinho de feira com uma roda só. As minas grávidas e unidas, se deslocando, uma ajudando a outra, com cinco, seis meses, quase para coroar uma criança. Grávidas e drogadas. É uma manada, tipo meia hora de deslocamento pela quantidade de pessoas que tem ali.
Almanaque da Cultura: Participar do filme mudou alguma coisa na sua maneira de pensar em relação às drogas?
Thogun Teixeira: Mudou tudo. Eu já sabia de alguma coisa, mas ali é o ser humano chegando na parte mais funda do buraco. É você se desapropriar de você mesmo. E a gente sabe que aquela pessoa tá ali porque existe uma história muito forte por trás. Ali, ninguém se movimenta, só do lado para o outro com drogas. As ONGs continuam existindo, as palestras também, só que não tem mais nada efetivo para esse ser humano. Como um ser humano desse faz sua revolução humana? O “Metanoia” é um filme efetivo, vai muito além do que foi filmado. É a pessoa para de colocar o manto de invisibilidade nos problemas. Esse filme tinha que acontecer. O “Metanoia” está incomodando. Isso tudo dói no estômago.
Almanaque da Cultura: Você é a favor da liberação da maconha?
Thogun Teixeira: No caos em que a gente se encontra, em que a gente não consegue resolver problemas primários, não dá para mexer a favor da maconha hoje. Hoje eu sou contra. Eu não sei amanhã, as coisas mudam. A gente não tem uma sociedade brasileira preparada com redução de danos. A gente não consegue ver a questão de bebida alcoólica para menor. Existem coisas muito mais sérias a serem resolvidas imediatamente.
Almanaque da Cultura: Em um depoimento do filme você diz que essa foi uma das melhores experiências da vida. Por quê?
Thogun Teixeira: O “Metanoia” coroa com muito ânimo e felicidade 11 anos ininterruptos de trabalho e 41 longas-metragens da minha vida. Ele abre minha carreira para outra fase, por isso, além de tudo, é um filme feito pelo amigo. Miguel sempre teve sonho de ser diretor e cumpriu o sonho. E ainda bem que existiu na minha vida o Observatório de Favelas, da Maré, senão eu não teria bolsa para estudar na Academia Internacional de Cinema (AIC).
Almanaque da Cultura: Como você vê o tema “drogas” sendo abordado pelo cinema brasileiro e também pela mídia em si?
Thogun Teixeira: Pela mídia é o informativo, “aquilo ali tá ocorrendo. Todo mundo deu essa matéria, vamos dar também”. A mídia tem de sair da casinha, ou vai se distanciar da sociedade. O único setor que eu vi se mover para relatar isso foi o audiovisual. E nesse que eu vou morrer participando, porque consigo expor o que eu penso. É dificultoso colocar um filme na rua. A gente tem de desburocratizar a Ancine. O Miguel foi aos lugares certos para conseguir fazer esse filme. A Europa Filmes foi a única distribuidora que topou fazer esse filme. Tem que ter coragem.
Almanaque da Cultura: Qual a mensagem que o filme deixa sobre o tema tratado?
Thogun Teixeira: “Nós estamos vivos, nos enxerguem, por favor. Socorro”. É só isso. Isso se enquadra para quem tá vivo, quem tá fora dessa, quem tá dentro. O “Metanoia” é o “não aguento mais”. Porque quando o cara abre a mente e a cabeça, aí ele vê o que acontece. (daí a expressão que dá nome ao filme. Essa é a reflexão).