Maria Bethânia celebra 50 anos de carreira com show intimista no Rio

Cantora faz viagem ao passado e relembra sucessos de seus 50 anos de música

Com apenas 12 minutos de atraso, Maria Bethânia subiu ao palco do Vivo Rio, na Zona Sul da cidade nesta sexta-feira, 11 de setembro, e abriu as portas de sua “casa”, para apresentar o show “Abraçar e Agradecer”. O clima era este: como se a cantora recebesse amigos próximos para prosear em seu lar, em uma comemoração intimista aos seus 50 anos de carreira, quando, em 13 de fevereiro de 1965, a artista, então com seus 17 anos, substituía Nara Leão no espetáculo “Opinião”.

Vestida de dourado, em dedicada referência à Oxum, orixá que responde pelo coração e seus sentimentos, Bethânia entrou no palco tal qual um furacão, correndo de jeito ágil e ao mesmo tempo contido, cantando “Não há nada no mundo que possa fazer eu deixar de cantar ou deixar de gostar de você”, versos de “Eterno em Mim”, de seu irmão Caetano Veloso. Logo em seguida avisou que o espetáculo trataria daquilo que ela mais se propõe a cantar, defender e explorar: o amor.

No único momento em que falou diretamente com o público, a cantora disse estar muito contente de estar de volta ao palco onde estreou a turnê, em janeiro deste ano. Bethânia então recitou um texto, como um tapa na cara de quem um dia acreditou que ela não venceria ou mesmo não chegaria a cinco décadas de estrada.

(Foto:Reprodução/Facebook)

“Chegar para agradecer e louvar, louvar o ventre que me gerou, o orixá que me tomou, e a mão da doçura de Oxum que consagrou. Louvar a água de minha terra, o chão que me sustenta, o palco, o massapê, a beira do abismo, o punhal do susto de cada dia (…), agradecer, ter o que agradecer, louvar e abraçar”. Ela dá início a sua viagem, ao seu mergulho dentro de seu próprio mundo, agradecendo à vida e aos compositores que lhe foram tão presentes.

Canções como Gita (Raul Seixas/Paulo Coelho), “Começaria tudo outra Vez” (Caetano Veloso), “Voz de Mágoa” (Cesar Pinheiro e Dori Caymmi), “Você Não Sabe” (Roberto e Erasmo Carlos), “Dindi” (Tom Jobim/Aloysio de Oiveira) são interpretadas de forma única, com Bethânia quase sem sair do lugar onde está. O palco, com luz de Binho Schaefer, tem um cenário de LED e uma pequena rampa, cujas projeções parecem realmente conversar com o que é cantado.

Maria brasileira, religiosa e viva

Após 40 minutos ininterruptos, a cantora fecha a primeira parte do show. Volta para o segundo ato com um bloco todo cantado sobre a água, no qual ela se envolve de forma como se tomasse banho em um rio, nas águas abençoadas de Oxum. De vestido furta-cor com toques de vermelho. Hora de homenagear Iansã, seu orixá de cabeça. “Doce” (Roque Ferreira), “Oração de Mãe Menininha” (Dorival Caymmi) e “Eu e a Água”, de seu irmão, arrancam lágrimas dos presentes, como se a mensagem sobre as águas tivesse surtido efeito.

Sempre resgatando as raízes do Brasil, a artista leva o sertão para o palco. Sentada em um pequeno quadrado, ela entoa “Eu, a Viola e Deus” (Ronaldo Boldrin), “Xavante” (Chico César) e “Povos do Brasil” (Leandro Fragonesi). As letras falam do povo sofrido, das dores, das lutas e das felicidades do Brasil. Apaixonada pela cidade luz, Bethânia homenageia Paris com “Eu Te Desejo Amor” (Charles Trenet) e uma interpretação de “Non, Je ne Regrette Rien” (Charles Dummont/Michael Vaucair), que a fez ser ovacionada de pé pelas 2 mil pessoas que lotaram a casa de shows. Contida em sua personalidade, ela só dizia “Obrigado, senhores”.

Por ser muito reservada (embora enquanto interpreta, tenha seus rompantes), qualquer movimento mais animado da cantora levava o público à loucura. Quando ela jogava seus braços, pulava ao som da música ou mexia os quadris, os gritos eram os mais empolgados possíveis. “Silêncio” (Flávia Wenceslau) amarra a segunda parte, com Bethânia cantando que “Já não é mais urgente falar. Meu coração precisar repousar”. De modo arrebatador, ela sai do palco ao som de “Carcará”, um dos seus maiores sucessos. O público grita e vibra.

O retorno para o bis não durou dois minutos e ela relembrou ainda mais o passado com “Tarasca Guidon”, dos Doces Bárbaros, “Reconvexo” e “Viola, Meu Bem” (Caetano), “Minha Senhora” (Dona Edith do Prato). Bethânia se despediu de todos, agradecendo aos músicos, reverenciando-os de joelhos, e saudou Nelson Sargento vibrando com “O que é, o que é” de Gonzaguinha. Maria Bethânia estava feliz, sem vergonha de ser feliz, radiante de celebrar por tudo que passou.

Após 1h43 de show, a impressão que se tem é de ter visto um filme, com direção, cenografia e criação de luz por Bia Lessa, no qual Bethânia mostrou tudo aquilo com o que se envolveu e cantou nos seus quase 60 discos lançados. O amor, os orixás, as dores, o povo, a luta, a fé. Os felizardos que puderam comprar os ingressos para o show deste sábado, 12 de setembro, esgotado como o de sexta, poderão comemorar com Bethânia e ver sua alegria de brincar de viver.